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DOM MIGUEL, O REI QUE REFORJOU A ESPADA

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O nome do arcanjo Miguel, padroeiro da Legitimidade, foi despreocupadamente dado ao sétimo filho do príncipe-regente Dom João VI e de sua esposa, a princesa Dona Carlota Joaquina.

No entanto, com o passar dos anos, o destino deste jovem infante tornou-se inegavelmente ligado ao conteúdo profético desse mesmo nome. O Calvário da Legitimidade será personificado por este rei português de forma exemplar, equiparando-o aos outros Monarcas “Detestáveis” – pela sua Catolicidade – na História Europeia, como Carlos Stuart para os Jacobitas Escoceses, Dom Carlos de Borbón para os Carlistas Espanhóis e o Conde de Chambord para os Legitimistas franceses.

Rei Tradicionalista - ou para alguns "Cruel Usurpador" - Dom Miguel posiciona-se na História de Portugal como um dos reis mais controversos, sem dúvida aquele que mais ódios e paixões despertou na nossa complicada Era Contemporânea. Símbolo do Portugal Profundo e Católico que o liberalismo temeu e hostilizou, a sua figura carismática fez sombra à popularidade dos Reis Constitucionais, privando-os da simpatia do povo na mesma medida em que a tinham gozado dos seus antecessores. Conta-se que por ocasião da visita de Dom Pedro V ao Santuário de Nossa Senhora da Rocha, imagem que era alvo particular da devoção miguelista, este havia-se cruzado com uma velhinha que lhe dissera que, embora nutrissem todos os locais de muito carinho por esse rei querido, de quem eles sentiam falta era daquele que lhes fora tirado, aquele que se fora embora. A ameaça do ressurgimento miguelista durou muito depois do exílio de Dom Miguel do território nacional, mantendo-se os seus partidários (o Partido Legitimista) em atividade política ativa ate meados do século XX.

ENTRE A TRADIÇÃO E A MODERNIDADE

O papel que Dom Miguel desempenha na nossa História está ligado a esse duríssimo combate entre a Tradição e a Modernidade que assaltou o Mundo Ocidental a partir do século XVIII. Esse assalto prende-se, contudo, à destruição da unidade do mundo cristão iniciado pela Reforma Protestante do século XVI. A grande tradição europeia está povoada das lendas de grandes reis que purificaram os seus reinos após períodos turbulentos de caos e desordem: desde o Rei Artur, passando por São Fernando de Castela e São Luís da França, o grande Santo Estevão dos Húngaros ou Frederico Barba-Ruiva para os imperiais germânicos, todas estas personagens de qualidades míticas possuíam um grupo de qualidades comuns. Eram homens piedosos, corajosos e valentes, detentores de algum tipo de habilidade mística (como o dom de curar) que afirmava a sua concordância com a natureza divina da sua Realeza.

A personalidade profundamente europeia desta tradição cavaleiresca está plasmada nos Nove da Fama, os modelos exemplares do ideal de cavalaria, que sintetizam as três tradições que formam a Europa: a pagã ou gentia (através de Heitor de Tróia, Alexandre Magno e Júlio César), a hebraica (através de Josué, filho de Abraão e conquistador de Canaã, David, rei de Jerusalém e Judas Macabeu, reconquistador da liberdade dos israelitas) e por fim, a cristã (Artur, rei dos Bretões e dos Cavaleiros da Távola Redonda, Carlos Magno, Primeiro Imperador do Sacro-Império e Pai da Europa, Godofredo de Bulhão, cruzado e primeiro rei da Jerusalém retomada aos sarracenos).

A deforma protestante e mais tarde o iluminismo, especialmente na sua vertente revolucionária, deitam por terra esta cultura conjunta, criando uma nova religião social sobre as ruínas da antiga ordem: o Liberalismo, e posteriormente os seus sucedâneos Capitalismo e Socialismo. O mundo da Tradição não é, contudo, derrotado facilmente, e através dos seus paladinos, entre os quais se conta em posição de relevo Dom Miguel, resiste.

DOM MIGUEL NO TRONO

As circunstâncias da subida de Dom Miguel ao trono português são abundantemente conhecidas. No contexto de uma revolução de inspiração maçônica, em 1820, e da consequente constituição de 1822 e a Carta Constitucional de 1826 (outorgada abusivamente por um príncipe estrangeiro), Portugal deparava-se em 1828 com o retomo de um príncipe que simbolizava o poder régio na sua vertente tradicional, apoiado por séculos de história e Religião, para libertar Portugal das influências estrangeiras e das lojas Maçônicas que dominavam, especialmente, o Exército.

Desde sempre atuando como símbolo rompante do partido apostólico criado por sua mãe – Dom Carlota Joaquina –, Dom Miguel reagiu sempre aos avanços das facções radicais do liberalismo durante o reinado de seu pai, procurando impor-se através de dois golpes militares (a Vilafrancada em 1823 e a Abrilada em 1824) de efeitos muito limitados. Foi exilado após esta última tentativa, uma vez que o seu moderado pai, o rei Dom João VI, não apreciava o seu método de aplacar as alterações políticas da época, inicia uma longa navegação pela Europa que termina em Viena, quando no seguimento da morte do rei de Portugal, quando seu irmão Dom Pedro (IV) é reconhecido como legítimo sucessor da Coroa; uma vez que este encontrava-se indisponível para ser elevado ao trono português (pois já era rei no Brasil), criou-se um compromisso político entre as diferentes facções políticas da época que concluía que Dom Miguel fosse rei de Portugal, casando-se com a sobrinha Dona Maria da Glória (“Maria II”, filha de “Dom Pedro IV”). Antes de partir de Viena, jura cumprir os preceitos da Carta Constitucional de 1826, esta própria foi o resultado muito insatisfatório e pouco sustentável do compromisso entre as diferentes facções liberais.

Assim a sua aclamação como Rei Legitimo nas Cortes de 1828, convocadas e realizadas á moda antiga, foi vista pelos liberais como uma falta à palavra dada. Não nos interessa aqui repetir as velhas questões de legitimidade discutidas ao longo dos últimos dois séculos por historiadores, polemistas e políticos dos dois lados da contenda entre liberais e miguelistas. Entre os portugueses, os grandes atos de bravura pela integridade nacional raras vezes respeitaram o cumprimento restrito das normas e até dos juramentos cerimoniais. Foi o direito da força que legitimou Dom João I em Aljubarrota, enquanto que Dom João IV, em 1640, quebra um juramento de fidelidade ao último dos Filipes a governar em Portugal. Joseph de Maistre explica-nos que “Deus faz os reis, literalmente. Ele prepara as estirpes reais, amadurece-as no meio de uma nuvem que encerra as suas origens. Elas depois surgem coroadas de glória e de honra: impõem-se, e é esse o maior sinal da sua legitimidade.”

O governo de D. Miguel foi assombrado pelo clima de violência que assolou o país. Muitas vezes rodeado de conselheiros menos dignos, de um Exército que se provaria desertor e hesitante, o “desejado do Povo” tornou-se a desculpa perfeita para que vários interesses privados, um pouco por todo o país, fossem postos em prática. Não faltaram traidores à sua causa, entre os quais se conta o caso pitoresco do Frei João de São Boaventura, que num sermão perante Dom Miguel afirmou energicamente que havia três formas de matar liberais: pela forca, pela fome e por envenenamento. Em 1832, contudo, sentindo os ventos da política agitarem-se no sentido contrário, passa-se para o lado dos liberais e escreve um panegírico (elogio público e solene) à Dom Pedro “IV”. O dito frade morre anos depois, em situação confortável na vida, tendo já semeado extensa descendência ...

Se as violências e as perseguições políticas são, hoje em dia, analisadas pelos historiadores com ares de espanto e choque, resta-nos considerar que antes da subida de Dom Miguel ao poder já tinha havido perseguições e prisões políticas, que a Censura já limitava a liberdade de imprensa, e que depois da Guerra Civil estas continuaram. Com a diferença que a guerra que o miguelismo movimentou aos seus opositores era uma guerra aberta e declarada, enquanto que as discriminações e violências que sofreram muitos portugueses após a 1834 estavam veladas sob a vã promessa de anistia prometida pelos liberais aos colaboradores com o regime miguelista.

Nunca saberemos como teria sido o reinado de Dom Miguel caso este tivesse ganho a guerra fratricida que opôs duas facções portuguesas de 1832 a 1834. Sabemos contudo que a sua ação política no exílio dão sinais óbvios de um homem que amou profundamente Portugal, que estava interessado tanto na continuação da tradicional constituição política portuguesa mas também no progresso desta Nação, como se nota pelo seu Ministério, que englobava homens inovadores como José Acúrsio das Neves e Francisco Alexandre Lobo, ou a sua visita em 1862 à Exposição Universal em Londres.

DOM MIGUEL NA TRADIÇÃO PORTUGUESA E EUROPEIA

A famosa viagem de 1832 que Dom Miguel faz ao Norte do País está polvilhada de momentos que ficaram para a memória do povo português, como aquele que ainda aponta com carinho a povoação de São Pedro de Oliveira, perto de Braga.

No entanto, é a sua passagem por Coimbra, entre os dias 4 e 29 de Outubro, que demonstra como este rei assumiu na sua plenitude o papel histórico que lhe coube.

Inserida num plano centrado na vida de Dom Afonso Henriques, as viagens de Dom Miguel mostram-se como um percurso de iniciação à própria tradição monárquica de Portugal, passando por todas as terras com significado simbólico na história e mitologia do Reino.

Em Coimbra, Dom Miguel deslocou-se, no dia 21, a cavalo e de uniforme militar, ao Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, onde visitou os restos mortais do primeiro rei de Portugal (Dom Afonso Henriques) e de Dom Sancho I, nos mausoléus mandados construir por Dom Manuel I na Igreja do Mosteiro. Uma vez já dentro do convento, Dom Miguel contemplou a cruz de ouro de Dom Afonso I, bem como a sua espada conquistadora, relíquias religiosamente guardadas. No dia 23, Dom Miguel mandou abrir à sepultura do fundador da nacionalidade, numa cena comovente em que os presentes sentiram que a poeira acumulada pelos séculos de outrora se levantara, tal como as frias cinzas do rei primevo, para elevar a imaginação ao exemplo dado pelos antigos aos novos: Reforja-se a Espada da Legitimidade no Fogo Sagrado da Tradição, unindo o primeiro rei ao último.

A segunda etapa iniciática de Dom Miguel, é a sua visita ao Mosteiro de Santa Clara, onde abriu, com o auxílio do bispo de Coimbra, a sepultura da Rainha Santa Isabel. Procedeu depois Dom Miguel, bem como os demais membros da sua comitiva, ao beijar reverentemente da mão mirrada da Rainha Santa.

Reata-se assim a ligação do último rei à Religião do seu Povo, da Realeza ao Catolicismo, interrompida pela violência jacobina.

Por fim. D. Miguel passeia-se pela Quinta da Fonte das Lágrimas, numa tarde do dia 24 de Outubro, onde recebe dos donos da Quinta uma “prenda dos louros cabelos’, conservados numa lâmina. Este pequeno ato simbólico une Dom Miguel ao último elemento da Tradição cavaleiresca europeia: o Amor.

Unidos os três elementos (a Tradição, a Santidade e o Amor), Dom Miguel parte para a longa jornada da História equipado dos mesmos atributos que os antigos leis das lendas.

Até nas suas falhas Dom Miguel encarna o rei mítico europeu. Incapaz, devido ao seu espírito enérgico, de obter compromissos mesmo entre os seus aliados, vítima do seu anti-inglesismo e da sua incapacidade para negociar como as novas forças políticas que despontavam, Dom Miguel era amado pelo povo devido a este mesmo “temperamento de morgado", como tão bem o descreve Carlos dos Passos no seu livro “Dom Pedro IV e Dom Miguel I”. A sua derrota sofre dos mesmos males que condenaram outros monarcas mártires, como Luís XVI da França, Carlos I da Inglaterra e Nicolau II da Rússia: o desejo de manter a Tradição Constitucional do Estado e da Igreja nos seus respectivos elementos contra uma plêiade de inimigos do trono e do altar, conjugado com uma fraqueza pessoal que será, no sacrifício final, redimida pelo sacrifício pessoal. Luís XVI compensará a sua hesitação na guilhotina, tal como Nicolau II e a sua família, perante o esquadrão de fuzilamento soviético. Carlos I e Miguel I, contudo, sofrerão a morte, no caso do primeiro, e o exílio, no caso do segundo, devido a sua implacável impetuosidade.

Não faltou a D. Miguel o apoio dos heróis da Tradição europeia. La Roche-Jacquelin junta-se às suas hostes, bem como Emmanuel du Chillon, dois antigos veteranos da Vendeia (França). A união entre a causa miguelista e carlista, na Espanha, era uma união de irmãos. Muitos outros acorreram à causa portuguesa, ou apoiaram-na, como o General Wellington, contra as hordas de “mercenários e estrangeirados que vinham destruir as instituições de seis séculos, insultar a religião portuguesa”, citando Oliveira Martins no seu livro “Portugal Contemporâneo”.

Tal como Aragorn, no “Senhor dos Anéis" de J.R.R. Tolkien, também Dom Miguel tem de passar pelo Caminho dos Mortos, onde enfrenta as injúrias e a vergonha da denota. Enfrenta esse novo desafio de forma nobre e real, distribuindo os seus bens entre os seus leais vassalos e abdicando do trono para segurança destes e para evitar mais derramamento de sangue português, assim como mais tarde abdica da pensão prometida pelo governo liberal, recusando-se a viver na ignomínia comparticipada pelo Estado que lhe fora prometida, mantendo a sua pretensão e dos seus descendentes à Coroa. Este ato de nobreza e honradez, dará origem no futuro, à própria legitimidade da atual Casa de Bragança, descendente de Dom Miguel.

Mantendo a sua vocação para a caridade extravagante, que o deixava tantas vezes despojado, vivia com a sua família no exílio com uma economia restrita. Manteve no entanto, o seu alegre espírito combativo, como é revelado pelo seu gosto pelas cavalgadas.

Morre Dom Miguel como os reis de outrora. Afetado por uma doença pulmonar, não morre no palácio familiar de Bronnbach, mas antes, segundo a princesa de Lowenstein nos relata, “num pavilhão de caça no meio de grandes florestas’. À sua cabeceira estava apenas o cunhado, com quem tinha partido, já doente, para a sua última caçada. Uma última aventura solitária, como tantas das que já tivera em Portugal, em comunhão com o ar livre e puro, como atesta o seu amor pela já referida vila de São Pedro de Oliveira, tange dos refolhos da Corte lisboeta. Sem dúvida, uma morte digna de um rei lendário.

Por Manuel Rezende
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MONARQUIA OU REPÚBLICA? CATÓLICA!

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UM BREVE HISTÓRICO: REINO DE PORTUGAL X IMPÉRIO DO BRASIL

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• 1815 (15 de dezembro) – O príncipe regente - Dom João VI - eleva o Brasil à categoria de Reino, criando assim o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves;

• 1816 (20 de março) – Morre D. Maria I, e seu filho - Dom João VI - assume o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves;

• 1817 – Na Conspiração de Lisboa, os maçons da Loja Santarém tentam tomar Portugal;

• 1817 (18 de outubro) - O tribunal considerou culpados de traição por crime de lesa-pátria e sentenciou à morte, por enforcamento, doze acusados;

• 1818 (30 de março) – Dom João VI manda decretar um Alvará Real contra a maçonaria no Brasil, sob pena de morte para os seus membros;

• 1820 (24 de agosto) – Estoura a Revolução Liberal do Porto de 1820, liderada pelos maçons portugueses, exigindo a volta de D. João VI para Portugal. Também é desencadeada na Espanha a Revolução de 1820. A maçonaria iniciava a derrubada dos Monarcas Tradicionais na Península Ibérica;

• 1821 (26 de Abril) – Dom João VI e a Família Real retornam à Portugal por causa da Revolução Liberal, porém deixam Dom Pedro IV (Dom Pedro I no Brasil);

• 1822 (9 de janeiro) – Dom Pedro IV (Dom Pedro I no Brasil), recusa a ordem do seu pai - D. João VI - para retornar à Portugal, ficou conhecido como o “Dia do Fico”;

• 1822 (2 de agosto) – Dom Pedro IV (Dom Pedro I no Brasil), com 23 anos de idade é iniciado na maçonaria, presta juramento e adota o nome de Guatimozin em homenagem ao último imperador das Astecas que foi impedido de assumir por conta dos Católicos espanhóis;

• 1822 (7 de setembro) – É proclamado o primeiro passo do golpe maçônico na terra de “Santa Cruz”, fomentado pelo maçom José Bonifácio, que instigou Dom Pedro IV (Dom Pedro I no Brasil) à trair seu pai e a Santa Igreja;

• 1822 (23 de setembro) – A Constituição Portuguesa de 1822 foi imposta pelos liberais da Revolução de 1820;

• 1822 (1 de outubro) – D. João VI jura fidelidade à Constituição Liberal de 1822. A sua esposa - rainha D. Carlota Joaquina - recusa-se a prestar o juramento;

• 1823 (27 de maio) – D. Miguel com o apoio da sua mãe – rainha D. Carlota Joaquina - desencadeia o movimento que ficou conhecido como “Vilafrancada”, na intenção de abolir a Constituição Liberal de 1822 e retomar Portugal dos liberais;

• 1823 (1 de outubro) –  Dom Pedro IV  (Dom Pedro I no Brasil), revoga o Alvará do dia 30 de março 1818, promulgado por Dom João VI contra as sociedades secretas, sob pena de morte para os seus membros;

• 1824 (30 de abril) – D. Miguel com o apoio da sua mãe – rainha D. Carlota Joaquina - desencadeia o movimento que ficou conhecido como “Abrilada”, prendendo alguns liberais. Na declaração que Dom Miguel proferiu nesta ocasião, ele afirma que sua intenção é acabar com o que denominava de "pestilenta cáfila de pedreiros-livres", numa referência à maçonaria;

• 1824 (9 a 12 de maio) – Dom João VI refugia-se no navio "HMS Windsor Castle", demite o seu filho Dom Miguel dos seus cargos militares e obriga-o à partir para a França no navio “Pérola”, e a rainha D. Carlota Joaquina é internada no Palácio Queluz.

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ALVARÁ DE 30 DE MARÇO DE 1818 (DOM JOÃO VI)

Prohibe as sociedades secretas debaixo de qualquer denominação que seja.

Eu El-Rei faço saber aos que este Alvará com força de Lei virem, que tendo-se verificado pelos acontecimentos que são bem notorios, o escesso de abuso a que tem chegado as Sociedades secretas, que, com diversos nomes de ordens ou associações, se tem convertido em conventiculos e conspirações contra o Estado; não sendo bastantes os meios correccionaes com que se tem até agora procedido segundo as leis do Reino, que prohibem qualquer sociedade, congregação ou associação de pessoas com alguns estautos, sem que ellas sejam primeiramente por mim autorizadas, e os seus estatutos approvados: e exigindo por isso, a tranquilidade dos povos, e a segurança que lhes devo procurar e manter, que se evite a occasião e a causa de se precipitarem muitos vassallos, que antes podiam ser uteis a si e ao Estado, se forem separados delles, e castigados os perversos como as suas culpas merecem; e tendo sobre esta materia ouvido o parecer de muitas pessoas doutas e zelosas do bem do Estado, e da felicidade dos seus concidadãos; e de outras do meu Conselho e constituidas em grandes empregos, tanto civis como militares, com as quaes me conformei: sou servido declarar por criminosas e prohibidas todas e quaesquer sociedades secretas de qualquer denominação que ellas sejam, ou com os nomes e fórmas já conhecidas, ou debaixo de qualquer nome ou fórma, que de novo se disponha ou imagine; pois que todas e quaesquer deverão ser consideradas, de agora em diante, como feitas para conselho e confederação contra o Rei e contra o Estado. Pelo que ordeno que todos aquelles que forem comprehendidos em ir assistir em lojas, clubs, comités, ou qualquer outro ajuntamento de Sociedade secreta, aquelles que para as ditas lojas, ou clubs, ou ajuntamentos convocarem a outros, e aquelles que assistirem á entrada ou recepção de algum socio, ou ella seja com juramento ou sem elle, fiquem incursos nas penas da Ordenação liv. 5° tit. 6§§ 5° e 9° (Cf. http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/manuelinas/ordemanu.htm), as quaes penas lhes serão impostas pelos Juizes, e pelas fórmas e processo estabelecido nas leis para punir os réos de Lesa Magestade. Nas mesmas penas incorrerão os que forem chefes ou membros das mesmas sociedades, qualquer que seja a denominação, que tiverem, em se provando que fizeram qualquer acto, persuasão ou convite de palavra ou por escripto, para estabelecer de novo, ou para renovar, ou para fazer permanecer qualquer das ditas sociedadesm lojas, clubs, ou comités dentro dos meus Reinos e seus Dominios; ou para a correspondencia com outras fóra delles, ainda que sejam factos praticados individualmente, e não em associação de lojas, clubs, ou comités. Nos outros casos serão as penas moderadas a arbitrio dos Juizes na fórma adiante declarada. As casas em que se congregarem serão confiscadas, salvo provando os seus proprietarios que não souberão, nem podiam saber que a este fim se destinavam. As medalhas, sellos, symbolos, estampas, livros, cathecismos ou instrucções, impressos ou manuscriptos, não poderão mais publicar-se, nem fazer-se delles uso algum, despacharem-se nas Alfandegas, venderem-se, darem-se, emprestarem-se, ou de qualquer maneira passarem de uma a outra pessoa, não sendo par immediata entrega ao Magistrado; debaixo da pena de degredo para um presidio, de quatro até dez annos de tempo, conforme a gravidade da culpa e cisrcumstancias della. Ordeno outrosim, que neste crime, como excepto, não se admitta privilegio, isenção ou concessão alguma, ou seja de foro, ou de pessoa, ainda que sejam dos privilegios incorporados em direito, ou os réos sejam nacionaes ou estrangeiros, habitantes no meu Reino e Dominios, e que assim abusarem da hospitalidade que recebem; nem possa haver seguro, fiança, homenagem ou fieis carcereiros sem minha especial autoridade. E os Ouvidores, Corregedores, e Justiças Ordinarias, todos os annos devassarão deste crime na devassa geral: e constando-lhes que se fez loja, se convidam ou congregam taes sociedades, procederão logo á devassa especial, e á apprehenção e confisco, remettendo os que forem réos e a culpa á Relação do Districto, ou ao Tribunal competente: e a copia dos autos será tambem remettida á minha real presença. E este se cumprirá tão inteiramente como nelle se contém, sem embargo de quaesquer leis ou ordens em contrario, que para este effeito hei por derogadas, como se dellas se fizesse expressa menção. E mando á Mesa do Desembargo do Paço, Presidente do meu Real Erario, Regedor das Justiças, Conselho da Fazenda, Tribunaes, Governadores, Justiças e mais pessoas, a quem o conhecimento deste pertencer, o cumpram e guardemcomo nelle se contém, e façam muito inteiramente cumprir e guardar, sem duvida ou embargo algum. E aos Doutores Manoel Nicolau Esteves Negrão, Chanceller Mór do Reino de Portugal e Algarves, e Pedro Machado de Miranda Malheiros, Chanceller-Mór do Reino do Brazil, mando que o façam publicar e passar pela Chacellaria, e enviem os exemplares debaixo do meu sello e seu signal a todas as Estações, aonde se costumam remetter semelhantes Alvarás; registrando-se na fórma do estylo, e mandando-se o original para o eu Real Archivo da Torre do Tombo. Dado no palacio da Real Fazenda de Santa Cruz em 30 de Março de 1818.

REI com guarda.

Thomaz Antonio de Villanova Portugal.

Alvará com força de Lei por que Vossa Magestade ha por bem declarar por criminosas e prohibidas as sociedades secretas: ficando incursos os que se congregarem em lojas, ou aquelles, que as promoverem, nas penas da Ordenação liv. 5°, tit. 6° §§ 5° e 9°; prohibindo o uso das medalhas estampas e cathecismo das ditas sociedades, e mandando devassar deste crime: tudo na fórma acima declarada.

Para Vossa Magestade ver.

Luiz Joaquim dos Santos Marrocos o fez.

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LEI DE 20 DE OUTUBRO DE 1823 (DOM PEDRO IV EM PORTUGAL/DOM PEDRO I NO BRASIL)

Revoga o Alvará de 30 de Março de 1818 sobre Sociedade Secretas.

D. Pedro I, por Graça de Deus, e Unanime Acclamação dos Povos, Imperador Constitucional e Perpetuo Defensor do Brazil, a todos os nossos Fieis Súbditos Saude. A Assembléa Geral Constituinte e Legislativa do Imperio do Brazil tem Decretado o seguinte.

A Assembléa Geral Constituinte e Legislativa do Imperio do Brazil Decreta.

Art. 1º Fica revogado e cassado o Alvará de 30 de Março de 1818 contra as Sociedades Secretas;

Art. 2º Todos os Processos pendentes em virtude do mesmo Alvará ficam de nenhum effeito, e se porão em perpetuo silencio, como si não tivessem existido;

Art. 3º ficam porém prohibidas todas as Sociedades Secretas;

Art. 4º Serão consideradas Sociedades Secretas as que não participarem ao Governo sua existencia, os fins geraes da associação, com protesto de que se não oppoem á Ordem Social, ao Systema Constitucional estabelecido neste Imperio, á Moral, e á Religião Christã; os logares e tempos dos seus ajuntamentos, e o nome do individuo ou individuos, que compozerem o governo da Sociedade ou Ordem, e dos que depois se forem successivamente seguindo no mesmo governo;

Art. 5º A participação deve ser feita e assignada pelos declarantes encarregados desta obrigação no espaço de quinze dias depois da primeira reunião, nesta Côrte na Intendencia Geral da Policia, e nas outras parts do Imperio ás Autoridades Civis, e Policiaes dos logares, onde existirem as ditas Sociedades, a fim de receberem do Governo a permissão por escripto;

Art. 6º As Sociedades porém que tiverem principios, e fins subversivos da Ordem Social, e do Regimen Constitucional deste Imperio, serão consideradas como Conventiculos sediciosos, ou não tenham feito as participações ao Governo, ou as tenham feito falsas;

Art. 7º Os Membros de semelhantes Sociedades, que tiverem restado juramento de seguirem taes doutrinas, e persistirem em adoptal-as, como regra de conducta, uma vez que tenham começado a reduzil-as a acto, serão punidos os Cabeças com a pena de morte natural, e os Socios agentes com degredo perpetuo para galés; os que porém não tiverem mostrado acto algum subversivo, além dos primarios, e remotos, serão degradados por toda a vida;

Art. 8º Os Membros das Sociedades, que tiverem principios tão sómente oppostos á Moral, e á Religião Christã, si uma vez juramentados, persistindo na adopção de taes doutrinas, as tiverem reduzido a acto, serão degradados por dez annos; e si não tiverem praticado outro acto, além do juramento, e adopção dos principios sobreditos, serão punidos com tres annos de degredo para fóra da Provincia;

Art. 9º Os que forem membros de Sociedades simplesmente Secretas, sem alguma circumstancias aggravantes acima mencionadas, serão degradados pela primeira vez por um mez para fóra do Termo, pela Segunda por tres mezes para fóra da Comarca, e pela terceira por um anno para fóra da Provincia;

Art. 10º O processo começará por denuncia, na fórma da Lei, tão sómente contra certas e determinadas pessoas, no caso das Sociedades simplesmente Secretas; e por denuncia ou devassa especial nos casos dos arts. 6o, 7o e 8o Paço da Assembléa, 4 de Setembro de 1823. Mandamos portanto a todas as Autoridades Civis, Militares, e Ecclesiasticas que cumpram, e façam cumprir o referido Decreto em todas as suas partes, e ao Chanceller-mór do Imperio que o faça publicar na Chancellaria, parrar por ella, e registrar nos livros da mesma Chancellaria a que tocar, remettendo os exemplares delle a todos os logares, a que se costumam remetter, e ficando o original ahi, até que se estabeleça o Archivo Publico, para onde devem ser remettidos taes diplomas. Dado no Palacio do Rio de Janeiro aos 20 dias do mez de Outubro de 1823, 2o da Independencia e do Imperio.

Imperador com Guarda.

Caetano Pinto de Miranda Montenegro.

Carta de Lei, pela qual Vossa Magestade Imperial Manda executar o Decreto da Assembléa Geral Constituinte e Legislativa do Imperio do Brazil, que revoga o Alvará de 30 de Março de 1818, e dá novas providencias para se evitarem os damnos, que resultam das Sociedades Secretas; tudo na fórma acima declarada.

Para Vossa Magestade Imperial Ver.

Luiz Joaquim dos Santos Marrocos a fez.

Registrada na Secretaria de Estado dos Negocios da Justiça a fls. 1 do Liv. 1o de Leis. - Rio de Janeiro em 24 de Outubro de 1823. - José Tburcio Carneiro de Campos. Monsenhor Miranda.

Foi publicada esta Carta de Lei nesta Chancellaria-mór da Côrte e Imperio do Brazil. - Rio, 25 de Outubro de 1823. - Francisco Xavier Rapozo de Albuquerque.

Registrada na Chancellaria-mór da Côrte, e Imperio do Brazil, a fls. 26 do Liv. 1o das Leis. - Rio de Janeiro em 25 de Outubro de 1823. - Floriano de Medeiros Gomes.
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